Marcelo Jacques de Moraes (à esq,) e Christian Prigent (à dir.) no Colóquio Internacional Poesia e Interfaces (2015).
Marcelo Jacques de Moraes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do CNPq, apresenta uma trajetória acadêmica orientada para a literatura francesa. Reconhecido – com convites regulares para ministrar cursos sobre tradução literária na Universidade de Aix-Marseille e ganhador, duas vezes, da bolsa para tradutores estrangeiros do Centro Nacional do Livro, órgão ligado ao Ministério da Educação da França –, foi convidado a participar do colóquio, realizado no Centro Cultural Internacional de Cerisy-La-Salle em 2014, sobre Christian Prigent, autor sobre o qual escreveu ensaios publicados no Brasil e na França. Jacques de Moraes e Prigent estiveram juntos no lançamento, realizado durante o Colóquio Internacional Poesia e Interfaces, de Christian Prigent por Marcelo Jacques de Moraes, editado pela EdUERJ através da coleção Ciranda da Poesia.
O primeiro livro que li de Prigent, no começo dos anos 2000, foi uma coletânea de ensaios intitulada Salut les anciens, salut les modernes, em que ele saudava, como aponta o título, tanto poetas já inseridos na tradição literária quanto poetas seus contemporâneos, de uma geração mais jovem do que ele, poetas nascidos nos anos 1960. A partir de então, comecei a trabalhar sistematicamente com ele em meus cursos de poesia francesa na universidade. Paralelamente aos textos de reflexão teórica e crítica, fui descobrindo sua obra poética, que, da mesma maneira, dialoga sempre, e ao mesmo tempo, com as mais diversas tradições e gêneros literários. No ensaio para a Ciranda, procurei reconstituir a trajetória do poeta, desde os anos 1960, espelhando esse diálogo constante em sua obra entre a produção propriamente literária e a reflexão teórica e crítica.
Em conformidade com a tradição da poesia francesa moderna, a obra de Prigent se inscreve na “tensão entre o literário e o político”. Como essa dimensão política aparece na poesia de Prigent? Quais os principais pontos de sua problematização da literatura e da língua materna?

Marcelo Jacques de Moraes, no Colóquio Internacional Poesia e Interfaces (2015).
anos a toda a tradição francesa que se quer destinada à “razão clara” e ao “belo estilo” e que, assim, hierarquiza os extratos vivos da(s) língua(s) do presente e do passado. A literatura, nesse sentido, desperta a potência de transformação e de deformação da língua materna, e a consciência do poder que esta exerce sobre a experiência da realidade.
[…] embolo minha pelezinha de galinha nesse começo quase absoluto questão dissoluto, minha mãe, eu me lembro, foi como uma ratoeira de matéria erotífera, quando digo minha mãe tenho nos dentes palavras doces e mordentes, contudo não que ela o fosse, ela, na verdade, que ela fosse doce de morder ou que tivesse dentes amargos e ávidos prontos para ferir o coração que crescia em cancro na minha carne, minha mãe é mais o nome de mim quando não sei, enfim, é frequente, minha mãe, de mim o que fazer, minha mãe, não digo aquela que de fato me meteu no mundo de fato, também não falo das ameixas e da manteiga do nada que me enche a cabeça quando dormindo faço meu comércio próspero com minhas parceiras d’imagimãe, quando digo minha mãe, falo de tudo que faz que se habite a carne aqui embaixo na terra como as outras carnes, mas com palavras, é isso que lhe dá, à carne, nervo, minha mãe é a bola que tenho na boca e mesmo quando me assoo, não sai fácil, minha mãe é a carcaça em fio de ferro queme faz ficar de pé sobre a terra […]
Marcelo Jacques de Moraes (à esq.) e Christian Prigent (à dir.), em praias cariocas (2015).